I
Na água me lavo da nódoa da sensação,
entre algas e ninfeias, a deslizar à toa,
acará do lodo entre a rama e a taboa,
sob a nata ferrugínea que cobre o lagoão.
II
O predador vagarosamente se achega,
seu dorso negro cata fios de sol e voa;
morrer é ondulação que o fundo escoa,
do salto da aranha d’água nada se diga.
III
Dobrada ao penetrar o mundo aquoso,
a luz revela a escuridão que assume
e a mancha da ramagem recebe o lume
do túrbido radiar de vivos e mortos.
IV
Do céu com o orvalho desmaia a ideia,
a película do tempo abre a tela muda
na lâmina glauca de escamas e espumas,
em única sessão de mil fitas sem plateia.
V
O estado de pedra pulsa rubro na carne,
além da morte, aquém da aberrância,
igual na carne pútrida. Vai além do corte
tal perfeição, além do anzol da consciência.
[9/ “21 Poemas”, antonio siúves — 2015]
