Os produtos culturais de altíssima qualidade raramente se tornam populares na internet. A série holandesa “O Belo e a Consolação” segue disponível no YouTube [esteve fora do ar, ano passado, por exigência dos produtores; por alguma razão, está aberta, novamente. Oxalá continue assim.] relativamente inédita, se a menina me entende. Os 25 vídeos deste programa de entrevistas, exibidos entre 2001 e 2002 pela portuguesa SIC, depois reprisados em 2006, foram “subidos” no canal de Francisco Grave, de quem colho tais informações. “Como escreveu alguém num blog”, diz este altruísta, “a uma dada altura a SIC passou aquele que talvez tenha sido o melhor programa de televisão alguma vez feito”.
Originalmente, a série apresentada pelo jornalista, cineasta e escritor Wim Kayzer e produzida por Vera de Vries, é do canal público holandês VPRO, em 2000, nos explica F. Grave. Kayzer é autor de outra atração (como se diz hoje em dia) para TV do balacobaco chamada “Maravilhosa Obra do Acaso”, que conheci da versão em livro editada no Brasil pela Nova Fronteira (1995), hoje esgotada.
Creio que o título em holandês (“Van De Schoonheid en de Troost“) e inglês (“Of Beauty and Consolation”), vertido em Portugal para “O Belo e a Consolação” talvez nos quedasse melhor no Brasil como “A Consolação do Belo”. A legendagem em português em geral é boa. (Há uma versão em mp3 no inglês original disponível aqui.)
Eis é a relação das entrevistas disponíveis no YouTube:
• Richard Rorty, filósofo – Link
• Simon Schama, historiador – Link
• Martha Nussbaum, filósofa – Link
• George Steiner, escritor e filósofo – Link
• Roger Scruton, filósofo – Link
• Stephen Jay Gould, zoólogo e paleontólogo – Link
• Edward Witten, cientista e matemático – Link
• Steven Weinberg, cientista – Link
• Gary Lynch, neuropsicologista – Link
• Leon Lederman, cientista experimental – Link
• Vladimir Ashkenazy, pianista e maestro – Link
• Catherine Bott, soprano – Link
• Rudi Fuchs, director de museu – Link
• Karel Appel, pintor – Link
• John Coetzee, escritor – Link
• Elizabeth Loftus, psicóloga – Link
• Germaine Greer, escritora – Link
• Wole Soyinka, escritor – Link
• Yehudi Menuhin, violinista e maestro – Link
• Dubravka Ugresic, escritora – Link
• György Konrád, escritor – Link
• Jane Goodall, escritora e etóloga – Link
• Tatjana Tolstaja, escritora – Link
• Rutger Kopland, poeta e psiquiatra – Link
• Grand Finale (debate em Amsterdã entre alguns dos participantes) – Link
Da produção deveriam constar 26 conversas, que variam entre 1h e 1h40 de duração. Os programas com o cientista Freeman Dyson, que aparece no último, e o maestro Richard Dufallo nunca vieram ao ar, conforme o bom Francisco, e disso, ele nos diz, não se sabe a razão. O derradeiro, 25º, intitulado “Gran Finale”, com duas horas e pico, apresenta o debate de encerramento entre alguns dos participantes. A discussão é precedida de recital de câmara e cantata da qual se extraiu a bela vinheta da série. A peça foi composta pelo filósofo Roger Scruton, um dos convidados.
Os encontros de Wim Kayzer com pintores, poetas, cientistas, músicos e filósofos são tão livres quanto poderia ser uma produção nesta mídia. A duração variável mostra isso. Tomadas de cenas nas cidades, nas suas praças, jardins, numa praia na África do Sul, um panorama de Chicago, nos EUA, e até num campo inglês em meio à caça à raposa, se alternam com a gravação das conversas em apartamentos, salões de hotéis, bastidores de orquestra.
Ao assistir à série, me senti instigado a pensar, a pesquisar, a ler mais e ouvir concertos e canções dos quais se falou. Os temas não se limitam às artes, mas se estendem por um leque ilimitado do conhecimento que abarca filosofia, história, ciência, matemática, psicologia e religião. Tomei notas e posso dizer que me entretive com gosto e proveito como há muito não fazia. Uma experiência assim, que explora essencialmente a inteligência, oferece o padrão mais elevado dos propalados benefícios da internet para a humanidade. Pena que até esta quadra do jardim de infância da rede tal aspiração pouco contou.
Entre as melhores entrevistas destaco os diálogos com George Steiner, Roger Scruton, Richard Rorty, Simon Schama, Edward Witten, Vladimir Ashkenazy e Stephen Jay Gould. Gould e Yehudi Menuhin faleceram pouco depois de terem gravado os programas. O entrevistador teve que se rebolar com a mudez de John Coetzee e enfrentar a metralhadora verbal da indizivelmente chata e ególatra Martha Nussbaum, com seu timbre de bambu rachado. Não deu para encarar a escritora Germaine Greer, francamente. Mas posso dizer que nos melhores momentos dos diálogos me vi regressar a um mundo de ideias elevadas, elegância, beleza, protegido do lixo cultural circundante, da banalidade e deste viver às cegas tão peculiar à nossa era de muito teclar e pouco pensar. Isso para mim se chama consolação.
Pingback: JURUPOCA #4 | Livro de Viagem
Pingback: A vida, esse mau gosto da matéria – Jornal do Siúves
Pingback: Uma entrevista (e um roteiro) imperdíveis – Jornal do Siúves
Pingback: Outra rachadura na xícara? – Jornal do Siúves
Parece que estão de volta.
CurtirCurtir
Que pena.
CurtirCurtir
Infelizmente os videos foram bloqueados.
CurtirCurtir