
“Downton Abbey” é o mais inteligente novelão nunca filmado.
“Downton Abbey” é um conto de fadas para adultos educados com noções de elegância, decência e hombridade.
E de romantismo, claro.
É por aí que a ficção enseja a perfeição.
O sucesso mundial da série mostra que nem tudo se derreteu na revolução cultural que Mario Vargas Llosa condena no panfleto “A Civilização do Espetáculo” (Objetiva).
A diversão rasteira, a banalidade da fofoca e a superestimação da internet, afinal, não anularam in totum um modo de vida orientado, diria Llosa, pelo apreço à liberdade, às ideias, aos valores, aos livros, à arte e à literatura.
Sem querer, “Downton Abbey” denuncia a miséria de um mundo que perdeu o senso de ironia e se rendeu à feiura e à ditadura da correção política.
Tal é o mundo fascinado pelo riso fácil (“kkkk”) e que se entende com a peculiar profundidade da linguagem dos sinais (emojis).
Nele, Lady Violet, a condessa de Grantham, e sua língua de cobra coral deve ser vista como alguma espécie alienígena. A conversação é uma arte morta.
Tipos como a personagem de Maggie Smith, o mordomo Charles Carson (Jim Carter), a governanta Elsie Hughes (Phyllis Logan), a herdeira Lady Mary Crawley (Michelle Dockery) e o valete Mr. Bates, vivido por Brendan Coyle, ou sua querida Anna, por Joanne Froggatt, serão lembrados por muito tempo.
Algumas cenas entre Carson e Hughes ou da velha condessa Crawley e Isobel (Penelope Wilton) podem integrar uma antologia do melhor já feito para a TV.
A série cativa a inteligência do público em cada pormenor, da carpintaria aos arranjos de época e aos figurinos, da confecção dos cenários à música, da direção de atores à edição de imagens.
Julian Fellowes, seu criador e roteirista, do pico dos seus 66 anos, não deu a mínima para os críticos que tacharam “Downton Abbey” de “direita”.
Vencedor de um Oscar pelo argumento de “Gosford Park” (2001), um dos belos filmes do legado de Robert Altman, Fellowes entende do riscado ao romantizar a aristocracia inglesa.
O próprio escritor é membro da Câmara dos Lordes e detém o título de barão de West Stafford.
Séries como “The Wire”, “Mad Men”, “Boardwalk Empire” e algumas outras, entre as quais a primeira temporada de “True Detective” (e, a propósito, as britânicas da BBC “Wallander” e “Hinterland”) ou a microssérie “Olive Kitteridge”, à qual dediquei um poema, escritas e dirigidas com maestria, cultivam um tônus literário (em maior ou menor grau) e repelem a infantilização de Hollywood.
Titular dessa primeira liga da TV mundial, “Downton Abbey” é um descanso em meio há tanto furdunço imbecil, uma corrente de água limpa a roçar pedras miúdas na manhã invernal.
Durante cada episódio podemos esquecer a porcaria reinante na era dos realities shows de comida e dejeção.
Já é mais do que se poderia esperar de um produto televisivo com seis temporadas de extensão.
2 comentários em “Louvação a “Downton Abbey””