
Parece-me abjeta a banalização do uso da imagem infantil em comerciais de TV para adultos.
Contei num mesmo intervalo comercial a presença de crianças como “motivo condutor” de anúncios de um banco, de uma provedora de internet, de uma operadora de telefonia e de uma marca de carro.
Há algo de perverso no mundo da propaganda, provavelmente um reflexo do declínio da tradição literária e da hegemonia do audiovisual.
Alguém me mandou dia desses um comercial das Lojas Pernambucanas veiculado em 1962. E me lembrei de outro, dos Cobertores Parahyba, da mesma época.
As duas peças, me ocorreu, podiam ser vistas na história da propaganda como um idílio de uma era da inocência ante a atrofia da delicadeza.
A propaganda tem sofisticado a investigação dos desejos e da alma humana no capitalismo financeiro e tecnológico.
A criação publicitária parece fundamentada em pareceres de psicanalistas, antropólogos sociais e marqueteiros empregados como mascates pós-modernos.
Apelar à fragilidade, à inocência e à beleza inerentes à imagem infantil — de maneiras mais e mais refinadas — tornou-se a ideia mais valorizada pelas agências de publicidade e por seus clientes.
Elementos adaptativos relacionados à preservação da espécie — como a ternura filial — são a moeda de troca simbólica mais bem cotada no mercado publicitário — e quase um sucedâneo da realidade.
Isso não lembra a pornografia?
Sim, existe um quê de pornográfico na hiperexposição vicária de um desejo primitivo associado ao consumo.
Acabar com a exploração da imagem infantil na propaganda é uma causa que me parece mais urgente que a agenda verde e mais essencial que a luta por banheiro transgênero ou pela criação de um SUS veterinário.