Morria de tédio lendo a matéria da capa online do “Babelia”,
sobre o self como novo gênero definitivo da fotografia,
antes de deparar com um comentário sobre a mostra “+Humanos”
Uma das melhores coisas que já pude fazer em BH foi ter acompanhado o ciclo de palestras sobre “as aventuras do homem em tempos de mutações”, organizado por Adauto Novaes, em 2008.
Pude ouvir, por exemplo, o professor da Escola Politécnica de Paris e da Universidade de Stanford Jean-Pierre Dupuy na conferência “O Trasumanismo e a Obsolescência do Homem”, em que se explica que o “o objetivo anunciado [do transumanismo] é o de ultrapassar os limites que constituem hoje a condição humana, entre eles o sofrimento, o envelhecimento e a morte, a inteligência limitada [anunciam-se futuros e caros “designs de inteligência” nas melhores clínicas de sua cidade] dos seres humanos e de suas máquinas, o fato de que não escolhemos nossa psicologia e nossos afetos, assim como nosso confinamento nos limites do planeta terra”. (“A Condição Humana” – Edições SESCSP- Agir, 2009, página 90. )
Neste sábado, morria de tédio lendo a matéria da capa online do “Babelia”, sobre o self como novo gênero definitivo da fotografia, antes de deparar com um comentário do escritor Ernesto Hernández Busto sobre a mostra “+Humanos”, que esteve em cartaz no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona até o inicio de abril.
A redefinição da condição humana pela ciência e a técnica, ou o advento da pós-humanidade, talvez seja a única questão verdadeira que resta à cultura, parafraseando o que Camus disse sobre o suicídio e a filosofia.
Este comentário do jornal se relaciona a este horizonte, e também o ótimo filme “Ex_Machina”.
Eis uma instituição cultural exercendo-se em plenitude, pensei, sobre essa programação do CCCB, onde me surpreendi e pude me deliciar, em março do ano passado, com a exposição “As Variações Sebald”. Dificilmente veríamos tal discernimento e ousadia em um curador brasileiro.
Hernández Busto diz que “+Humanos” tratou do “futuro da nossa espécie”. As instalações mostraram ciborgues, experimentos para aumentar a capacidade do corpo por meio de próteses de todo tipo e ideias e projeções de manipulação genética e bioengenharia.
O artigo se refere ao pioneirismo de livros como “Admirável Mundo Novo” e “1984” em nos fazer refletir sobre o uso da biologia para remoldar e domesticar o espírito humano, mas faz esta ponderação:
“Diferentemente desses modelos prévios, o mundo em torno do qual giram essas exposições [ele se refere também a outra exposição levada no CCCB, “Big Bang Data”] não tem uma clara moralidade: nossa noção de natureza humana parece ter se desfigurado o suficiente para converter a intenções de Orwell e Huxley em produtos vintage”.
O pós-humano, lembra Hernández Busto, é o cenário que o filósofo Peter Sloterdijk descreveu como “poligamia entre o homem e a tecnologia”, e, a propósito, o teórico Rosi Braidotti nos tenta convencer de que “o pós-humano pode ser melhor que o humano”.
Também repassa o excelente ensaio de Francis Fukuyama “Nosso futuro Pós-Humano” , no qual o filósofo e economista nipo-americano se pergunta — a propor uma agenda à bioética e aos leitores: “O que acontece quando essa ideia de natureza humana muda graças a engenharia genética, a prolongação da vida, a robótica e a neurofarmacologia? O que acontece quanto reconhecemos que somos criaturas capazes de modificar a si mesmas?
A exposição em Barcelona tratou justamente dessas criaturas a que alude Fukuyama.
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