
Na padaria Vianney, perto de casa, comi um amor em pedaços.
Eram 7:34 da noite, solstício de inverno.
Segurava um livro de poemas de Eugenio Montale que me custara R$ 10 no saldo da livraria Ouvidor, tempos atrás.
De volta à rua e à lua, vi BH numa bolha do futuro:
Arranha-céus de quartzo roxo, asfalto azul iridescente e estações de metrô violáceas cobriam a antiga província.
Nas estações de metrô se afagavam as mesmas patotas culturais.
Abri o Montale:
La vita è questo scialo
di triti fatti, vano
più che crudele (…)
Addio! — fischiano pietre tra le fronte,
la rapace fortuna è già lontana,
cala un’ora, i suoi volti riconfonde, —
e la vita è crudele più che vana.
E na tradução de Renato Xavier¹
A vida é um esbanjamento
De fatos triviais, vão
mais que cruel. (…)
Adeus! sibilam pedras nas folhagens,
a tormenta voraz já vai distante,
a hora cai, de novo se confundem as imagens, –
e a vida é mais cruel do que vã.
(¹) Flussi/Fluxos, em Ossos de Sépia, Companhia das Letras, 2002.