
“Há que se chegar o quanto antes ao Museu do Prado para não perder um detalhe, uma pincelada, um calafrio teológico e a gargalhada de El Bosco, o riso nos ossos”, recomenda Antonio Muñoz Molina.
O convite do colunista do Babelia quase faz o autor deste jornal a comprar uma passagem para Madri.
E valeria cada tostão apenas passar uma manhã inteira no Prado e percorrer a exposição que celebra, até setembro próximo, 500 anos da morte do artista, a 9 de agosto de 1516.
Os espanhóis, como os portugueses, têm a sabedoria de incorporar o que amam à familiaridade do idioma. Nós, ao contrário, nos perdemos da tradição e passamos a atestar nossos recalques em disputas pela melhor pronúncia seja em inglês, francês ou numa língua eslava.
Na Espanha, o pintor Doménikos Theotokópoulos tornou-se El Greco.
Hieronymus Bosch, pseudônimo do artista flamengo renascentista Jeroen van Aeken, é chamado deliciosa e simplesmente El Bosco.

Molina comenta que pode ser um erro ver Bosch como um artista adiantado em relação a seu tempo, genial a ponto de antecipar temas do Surrealismo e figurar o inconsciente psicanalítico.
O mais provável, ele diz, é que o artista se distinga não pela modernidade, mas justamente pelo relativo anacronismo em relação às inovações de seus mais ou menos contemporâneos Dürer e Leonardo da Vinci, por exemplo.
Referindo-se Mikhail Bakhtin, Molina acrescenta que a obra de Bosch retrata um universo anterior à cultura visual e literária do Renascimento e à separação hierárquica, introduzida pelo movimento, entre alta e baixa cultura, sagrado e profano, erudito e vulgar.
Sua imaginação e religiosidade se enraizaram na vida comunitária, nas procissões que misturavam o litúrgico e o pagão, na poesia oral e nas festas e atrações de feira.
Seja como for, Bosch, El Bosco me comove e fascina pela profusão do imaginário e a precisão de suas pinceladas.
Perto de seus mosaicos onde vida e morte dançam animadamente pelo tempo afora, as sacadas freudianas dos surrealistas me parecem antigas e esquecidas brincadeiras de crianças.
E você, vai a Madri?
Um comentário sobre “Um convite quase irresistível”