Creio que já foi dito que “Rumo à Estação Finlândia”, de Edmund Wilson, tem o andamento de um suspense intelectual de não ficção.
Falei aqui em outra ocasião da minha ansiedade pelo livro quando publicado pela primeira vez e tardiamente no Brasil, em 1989, pela estreante Companhia das Letras.
Não conheço outra obra capaz de resumir e interpretar, tão bem e com a mesma profundidade, a formação das ideias revolucionárias, filhas do Iluminismo, e a reação a essas ideias, as origens do socialismo, dos formuladores utópicos à virada de mesa da filosofia marxista, os usos e abusos do legado de Karl Marx até o desembarque de Lênin na Estação Finlândia, na noite de 16 de abril 1917, pouco antes da Revolução de Fevereiro (março no calendário do Ocidente).
Com método e domínio da arte literária, Wilson destrinchou o marxismo e compreendeu o homem (“Lúcifer e Prometeu”) que o criou, expondo a originalidade de sua filosofia e suas concepções econômicas, como também suas pretensões e debilidades.
Para o autor, Marx foi herói do judaísmo e gênio transformador do mundo.
Lançado há 76 anos, o livro traça retratos de Marx e Engels ainda inigualáveis em qualidade e riqueza.
Da mesma forma, os perfis de Michelet, Trotski, Lassale, Bakunin e dezenas de outros personagens históricos são compostos com grande vivacidade e sutileza, por meio da exploração de camadas e subcamadas de cada personalidade, a fim de revelar sua humanidade.
“Rumo à Estação Finlândia” é um estudo da história por um poliglota — Wilson sabia russo e viajou aos principais lugares retratados no livro —, uma mente erudita e preparada, capaz de grande refinamento.
Ainda que use períodos longos com raciocínios que procuram alcançar cada aresta do seu objeto de análise, a prosa é simples, clara e livre do jargão.
Ler Edmund Wilson, sempre, é um enriquecimento de vida, como cultura e experiência, disse Paulo Francis, com razão.
A releitura de um grande livro é a oportunidade que nos damos de desfrutar melhor certas passagens, de entender melhor outras e de encontrar aqui e ali algum ponto fraco, a indicar que está melhor nossa própria apreensão dos acontecimentos.
Ao virar a última página, senti o mesmo pesar da primeira vez.
Fui logo à estante pegar o “Castelo de Axel”, um conjunto de ensaios pioneiros de Wilson sobre escritores como James Joyce, Marcel Proust, T.S. Eliot e William Butler Yeats, que há tempos não folheava.